quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Biblioteca Pública Pelotense


Passei os melhores anos de  minnha vida dentro da Biblioteca Pública Pelotense. Em seu interior descobri os grandes clássicos da literatura universal, e, claro, os grandes do Rio Grande do Sul, como Érico Veríssimo. Tardes inteiras mergulhado no "Tempo e o Vento", maior obra do escritor gaúcho. Gostava, sobretudo, do inverno, o qual ajudava a entrar no clima sombrio, ventoso, do romance.
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sábado, 11 de julho de 2009

Santa Teresa de Ávila




Em menino as imagens sacras me assustavam. Ao adentrar as igrejas, independentemente do seu tamanho, logo minha atenção recaia sobre os santos e santas. Vasculhava seus respectivos olhares e, temeroso, logo afastava meu olhar, temendo enc0ntrar neles resquícios de punições. Ao deixar a igreja ou capela, prometia a mim mesmo não mais nelas entrar. Entretanto, atração maior me levava a elas. Como ocorre ainda hoje. Sempre que posso entro numa igreja, sento-me a um banco e me deixo ficar quieto, observando. Meu olhar corre atrás da "santarada", procurando devassar os mistérios, ocultos na quietude dos olhos, na profunda e inquietante imobilidade dos altares.
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domingo, 28 de junho de 2009

Magia

50x60 - Charqueada São João (detalhe)
Acaso deixemos nossa imaginação de tudo é capaz. Inventar mundos, mágicos de preferência, seria corriqueiro. Quando crianças fazíamos isso. O pensamento voava como águia, esfiapando nuvens, em direção ao imaginado. E as construções em pensamento urdidas iam-se criando diante de nossos olhos bem abertos. Eram coisas fantásticas! Ao crescermos, entretanto, a primeira coisa que fazemos é obstaculizar esse canal mágico, e as imagens antes tecidas se esvaem até sumirem. Ai ficamos tristes e fazemos questão de esconder a razão.

sábado, 27 de junho de 2009

Arraial D'Ajuda


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Arraial D'Ajuda, sul da Bahia. Quando lá cheguei deduzi que o paraíso estava perto, sim. Àquela época havia pouco turismo, a maioria de São Paulo. Uma vila de pescadores, pacata e preguiçosa, cuja andar semelhava o ir e vir das ondas do mar. Tinha-se impressão de que o tempo parava. Cronos, o temível Deus da mitologia greco-romana dava uma trégua. A idéia era de imortalidade, força. As belíssima praias desertas sugeriam longos passeios até o entardecer. Quando sobrevinha a noite, o arraial se enfeitava de pirilampos dançarinos, e a poesia tinha cheiro de maresia.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Entardecer em Trancoso


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Quando cheguei em Trancoso, sul da Bahia, no final dos anos 80, não imaginava a beleza do lugar. Na época o pequeno lugarejo de pescadores, perto de Porto Seguro, não tinha a fama que tem hoje, parada obrigatória de gente famosa. Lembro que o sol mergulhava no mar, tingindo-o de laranja, cenário de tirar o fôlego. Fiquei parado à porta da pousada, negando-me a perder o espetáculo. Querendo mais, larguei a mochila no chão, e fui em direção ao mar. Àquela hora os pescadores voltavam da pescaria, recolhendo redes e o resultado da pesca. Cenário para grudar na retina e jamais soltar-se. Não satisfeito, entrei na água morna, com ímpetos de mergulhar como estava, de tênis e calça. E foi o que fiz. Mergulhei. Afundei-me nas ondas quentes, deixando-me levar, fitando as primeiras estrelas fincadas no azul sombrio. Agora, vendo o inverno enveredar casa adentro, feito sombra que se alonga, a lembrança daquele longínquo banho em Trancoso me aquece corpo e alma.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Festa no céu

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Eles estavam lá. Meus olhos curiosos na verdade não os via, mas eu sabia que eles estavam lá, entre as nuvens, pendurados no céu, muito perto do sol que derramava no campo fartas gotas de mel. Entre os anjos um anjo maior feito de rijo caule, e folhas que se desfaziam em miríades de luzes piscando como vaga-lumes. Era uma festa para a qual eu me sentia convidado. Sei que se fizesse um esforço juntar-me-ia ao exército angelical. Era o que minha mãe dizia, entregue à lida da casa. Um esforço, filho, apenas um simples esforço fará com que estejas bem perto deles. Mas não. Eu queria ficar na terra, no campo perfumado de mel, vendo-os entre fiapos de nuvens. Eles lá eu aqui na terra muito humano e pecador. Bastava-me vê-los, saber de sua existência. De súbito punha-me a correr sem destino pelo campo, sentindo o vento fustigar o rosto. Correr; eu queria correr muito em direção ao infinito. Assim eu comprendia a vida.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Arroio Pelotas


Foram-se os anos e ficou a lembrança dos banhos no Arroio Pelotas. Nas tardes quentes de verão, quatro ou cinco moleques nadavam na sossegada água, entregues às recordações do tempo dos escravos que por ali viviam, envolvidos na labuta das charqueadas. De quando em quando ouvíamos, trazidos pelo vento, sons de gemidos, gritos, oriundos do mato próximo. Nossa pele ficava eriçada, olhar arregalado. Logo a gritaria recomeçava, mas nosso olhar, de quando em quando, alongava-se em direção aos bosques próximos, na esperança de vermos fantasmas enegrecidos caminhando às margens do arroio.

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Charqueada São João

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Comovem-me os /Quintais arborizados/Cujo sol por entre galhos /Entra jogando favos de mel/ À terra úmida/ À terra fértil /Quintais descortinando /Céus de rútilo azul /Onde pipas coloridas /Traçam volutas /Mágicas geometrias /Que se fazem pássaros /Átomos /Comovem-me/Quintais arborizados /Cujas sementes avivam-se /Em veias escuras se /Transformam /E se colorem /E se embriagam de /Seiva /Prana /Comovem-me a vida /Dos quintais sem cerca /Meio a bruma /Achados /Exalando no bem perto /No bem longe /Cheiros de noite/Perfumes de dia

sábado, 30 de maio de 2009

Assombração


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Lembro-me como se fosse hoje... Aproximei-me da casa, muito grande e sólida, limada pelo tempo, expressão cansada como a face de um velho. As janelas e portas estavam cerradas. Forte cerração a cobria. Súbito, uma das janelas se abriu e avultou figura de mulher vestida de branco, alvo véu a cobrir-lhe o rosto. Estremeci e ameacei fugir. A aparição, entretanto, sorriu e com um aceno de mão convidou-me a entrar na casa. Evidentemente que não entrei, mas, ainda hoje, quarenta anos afastando-me do acontecido, lamento não ter entrado. Existem coisas em nossa infância que, uma vez vividas, nos fariam adultos mais corajosos e confiantes. Uma pergunta me persegue deste então: por que não entrei na casa? Por que amedrontei-me diante da aparição? Se tivesse entrado, que significado isso teria hoje em minha vida? Teria sido melhor ou pior? Mais destemido? Não sei... Morrerei sem saber.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Casa de Deus

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Desde sempre eu soube que Deus faz pouco caso do tamanho de Sua Casa. Pode ser majestoso templo, imponente como a Catedral de Burgos, na Espanha, ou pequena capela que se confunde com a vegetação, com o mato. Tanto faz. Sua presença é forte, reveladora, em ambas. Cabe a nós entendermos Sua mensagem e dela fazermos o melhor proveito. Mistério é mistério, seja na Basílica de São Pedro ou em diminuto templo de pau-a-pique.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Padroeiro


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A Catedral São Francisco de Paula é de uma suntuosidade ímpar, orgulho dos pelotenses. Difícil é passar ao largo sem admirar suas monumentais linhas, evocando a presença divina. Em seu interior existem belos afrescos do pintor italiano Aldo Locatelli, que chegou a Pelotas em 1948, a convite do bispo Dom Antônio Záttera.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Grande Mãe



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Em minhas caminhadas pelo campo, bloco de desenho à mão, atenção redobrada ao cenário, esgarçando o olhar em todas as direções, muitas vezes em imaginação vislumbrei imagens suspensas. Entre fiapos de nuvens surgiam imagens de anjos, igrejas grandes e pequenas. A Grande Mãe é uma dessas representações concebidas durante caminhada no campo. Não me perguntem como elas surgem, pois não saberia lhes dizer. A arte naïf, enfim, permite a edificação de mundos coloridos onde tudo é possível, inclusive o trânsito da terra ao céu, num encontro de humanos e entidades divinais. O homem, em sua caminhada terrena, que não é nada fácil, sempre almejou contatos sobrenaturais. Não é por outra razão que se mantém atento ao céu na expectativa de que, entre nuvens, um milagre se realize. Se na vida real isso nos parece impossível, a arte primitiva o realiza plenamente.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Nossa Senhora Aparecida



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Conheci há muitos anos atrás, na Bahia, mais exatamente em Porto Seguro, um velho pescador de nome Antão. Certa manhã, rútilo sol nascendo das entranhas do mar, falou-me de uma "visagem". Estava saindo de seu barraco, despedindo-se da mulher, quando, à margem do oceano, vislumbrou a Santa. Estava lá, imponente, soberana, protegendo os pescadores que se aventuravam em direção ao mar revolto. Seus olhos verteram lágrimas e, sorrindo, beijou a face de Toninha e foi-se meio trêmulo, porém feliz e seguro.

Auto-retrato

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Infância... Perdida meio a bruma... De quando em quando ela nos invade com suas lembranças e signos. Deixamo-nos transbordar até a borda, coração aos saltos, corrente sanguínea acelerada.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A pescaria de Deus




















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Minha mãe costumava dizer que Deus é um pescador. Comentava isso ao pé do fogão a lenha, olhos dançarinos, velado sorriso nos lábios. Fala mansa, recomendava-me ficar atento a Ele, pois seu "anzol" a qualquer momento poderia desabar diante de nosso nariz, tentando-nos. Eu ficava muito sério, imaginando o que o Senhor haveria de querer conosco, grandes pecadores que éramos - no dizer do padre Agostinho no alto do púlpito, olhar de fogo. Experimentando abalos no corpo, às vezes eu corria em direção ao campo aberto e ficava olhando as alturas na expectativa de ver o tal "anzol". Jamais ele balançou a minha frente como minha mãe argumentara, mas, claro, "ele" existe e se nós permitirmos seremos, sim, fisgados pelo Senhor que está sempre disposto para uma "conversinha" a sós conosco.

O grande sonho








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Quando menino costumava deitar-me de costas no chão e ficar admirando o céu. Observava a caravana de nuvens, imaginando-as figuras de animais. Dragões, elevantes, girafas e etc., disparavam rumo ao horizonte. Permanecia horas assim, até a noite chegar deitando um lençol cravejado de diamantes sobre a vila, sossegando-a. Era hora de voltar para casa, jantar e inventar outras brincadeiras. A mais divertida era olhar o jogo de luz e sombra que o lampião a querosene realizava nas paredes. Muitos de meus personagens, embora disso eu não soubesse, foram "criados" nessas noites tranqüilas, ouvidos atentos aos estalos da madeira do chalé, sussurrando com as sombras.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Escalada

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Nós humanos nutrimos desejos de ascenção. Subir é uma necessidade que se impõe, seja no plano físico ou no espiritual. Nem sempre conseguimos tal intento, escravos que somos de nossas limitações. Entretanto, falhando ou não, o impulso pela ascese permanece inalterado.

Ascese



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Há muitos anos, caminhando pelo campo, enxerguei pequena capela boiando na manhã recém parida. Jamais fui religioso, ainda que minhas telas desmintam tal assertiva. Entretanto, por uma questão atávica, fico emocionado diante de pequenas capelas, deixando-me invadir por seu misterioso silêncio.

Revoada de anjos



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A maioria das pessoas não acredita, mas os anjos estão por perto, sim. Nem sempre com sua característica conhecida, como revela a tela ao lado, mas escondidos atrás de pessoas comuns que por nós cruzam todos os dias. Estejamos, pois, alertas... Um anjo pode entrar em nossa vida a qualquer momento. Duvidam? Eu não duvidaria.

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Quem sou eu

Minha foto
Manoel Soares Magalhães, 54 anos, é pelotense. Jornalista, escritor e pintor naïf, tem cinco livros publicados: Guerra Silenciosa – livro-reportagem; Dois Textos Marginais – contos; O Abismo na Gaveta – romance; O Homem que Brigava com Deus – romance; Vampiros - romance. Magalhães também é autor teatral e roteirista de cinema. Em 1982 ganhou o Prêmio João Simões Lopes Neto – gênero teatro, e em 2005, no mesmo Prêmio – gênero contos, foi finalista com o conto A Mosca, publicado na antologia de Contos João Simões Lopes Neto. Atualmente, além de escrever, prepara exposição de arte, pintando as charqueadas e os casarões de Pelotas no estilo naïf (primitivo). Como jornalista trabalhou no Diário Popular, Pelotas; no Diário Catarinense, Florianópolis; e Correio Braziliense, Brasília. Viajou pelo país como free-lance, vendendo reportagens para vários jornais brasileiros.