domingo, 28 de junho de 2009

Magia

50x60 - Charqueada São João (detalhe)
Acaso deixemos nossa imaginação de tudo é capaz. Inventar mundos, mágicos de preferência, seria corriqueiro. Quando crianças fazíamos isso. O pensamento voava como águia, esfiapando nuvens, em direção ao imaginado. E as construções em pensamento urdidas iam-se criando diante de nossos olhos bem abertos. Eram coisas fantásticas! Ao crescermos, entretanto, a primeira coisa que fazemos é obstaculizar esse canal mágico, e as imagens antes tecidas se esvaem até sumirem. Ai ficamos tristes e fazemos questão de esconder a razão.

sábado, 27 de junho de 2009

Arraial D'Ajuda


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Arraial D'Ajuda, sul da Bahia. Quando lá cheguei deduzi que o paraíso estava perto, sim. Àquela época havia pouco turismo, a maioria de São Paulo. Uma vila de pescadores, pacata e preguiçosa, cuja andar semelhava o ir e vir das ondas do mar. Tinha-se impressão de que o tempo parava. Cronos, o temível Deus da mitologia greco-romana dava uma trégua. A idéia era de imortalidade, força. As belíssima praias desertas sugeriam longos passeios até o entardecer. Quando sobrevinha a noite, o arraial se enfeitava de pirilampos dançarinos, e a poesia tinha cheiro de maresia.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Entardecer em Trancoso


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Quando cheguei em Trancoso, sul da Bahia, no final dos anos 80, não imaginava a beleza do lugar. Na época o pequeno lugarejo de pescadores, perto de Porto Seguro, não tinha a fama que tem hoje, parada obrigatória de gente famosa. Lembro que o sol mergulhava no mar, tingindo-o de laranja, cenário de tirar o fôlego. Fiquei parado à porta da pousada, negando-me a perder o espetáculo. Querendo mais, larguei a mochila no chão, e fui em direção ao mar. Àquela hora os pescadores voltavam da pescaria, recolhendo redes e o resultado da pesca. Cenário para grudar na retina e jamais soltar-se. Não satisfeito, entrei na água morna, com ímpetos de mergulhar como estava, de tênis e calça. E foi o que fiz. Mergulhei. Afundei-me nas ondas quentes, deixando-me levar, fitando as primeiras estrelas fincadas no azul sombrio. Agora, vendo o inverno enveredar casa adentro, feito sombra que se alonga, a lembrança daquele longínquo banho em Trancoso me aquece corpo e alma.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Festa no céu

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Eles estavam lá. Meus olhos curiosos na verdade não os via, mas eu sabia que eles estavam lá, entre as nuvens, pendurados no céu, muito perto do sol que derramava no campo fartas gotas de mel. Entre os anjos um anjo maior feito de rijo caule, e folhas que se desfaziam em miríades de luzes piscando como vaga-lumes. Era uma festa para a qual eu me sentia convidado. Sei que se fizesse um esforço juntar-me-ia ao exército angelical. Era o que minha mãe dizia, entregue à lida da casa. Um esforço, filho, apenas um simples esforço fará com que estejas bem perto deles. Mas não. Eu queria ficar na terra, no campo perfumado de mel, vendo-os entre fiapos de nuvens. Eles lá eu aqui na terra muito humano e pecador. Bastava-me vê-los, saber de sua existência. De súbito punha-me a correr sem destino pelo campo, sentindo o vento fustigar o rosto. Correr; eu queria correr muito em direção ao infinito. Assim eu comprendia a vida.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Arroio Pelotas


Foram-se os anos e ficou a lembrança dos banhos no Arroio Pelotas. Nas tardes quentes de verão, quatro ou cinco moleques nadavam na sossegada água, entregues às recordações do tempo dos escravos que por ali viviam, envolvidos na labuta das charqueadas. De quando em quando ouvíamos, trazidos pelo vento, sons de gemidos, gritos, oriundos do mato próximo. Nossa pele ficava eriçada, olhar arregalado. Logo a gritaria recomeçava, mas nosso olhar, de quando em quando, alongava-se em direção aos bosques próximos, na esperança de vermos fantasmas enegrecidos caminhando às margens do arroio.

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Charqueada São João

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Comovem-me os /Quintais arborizados/Cujo sol por entre galhos /Entra jogando favos de mel/ À terra úmida/ À terra fértil /Quintais descortinando /Céus de rútilo azul /Onde pipas coloridas /Traçam volutas /Mágicas geometrias /Que se fazem pássaros /Átomos /Comovem-me/Quintais arborizados /Cujas sementes avivam-se /Em veias escuras se /Transformam /E se colorem /E se embriagam de /Seiva /Prana /Comovem-me a vida /Dos quintais sem cerca /Meio a bruma /Achados /Exalando no bem perto /No bem longe /Cheiros de noite/Perfumes de dia

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Quem sou eu

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Manoel Soares Magalhães, 54 anos, é pelotense. Jornalista, escritor e pintor naïf, tem cinco livros publicados: Guerra Silenciosa – livro-reportagem; Dois Textos Marginais – contos; O Abismo na Gaveta – romance; O Homem que Brigava com Deus – romance; Vampiros - romance. Magalhães também é autor teatral e roteirista de cinema. Em 1982 ganhou o Prêmio João Simões Lopes Neto – gênero teatro, e em 2005, no mesmo Prêmio – gênero contos, foi finalista com o conto A Mosca, publicado na antologia de Contos João Simões Lopes Neto. Atualmente, além de escrever, prepara exposição de arte, pintando as charqueadas e os casarões de Pelotas no estilo naïf (primitivo). Como jornalista trabalhou no Diário Popular, Pelotas; no Diário Catarinense, Florianópolis; e Correio Braziliense, Brasília. Viajou pelo país como free-lance, vendendo reportagens para vários jornais brasileiros.